domingo, 22 de julho de 2012

O “Filho de África” reclama as jóias da coroa de todo um continente

por John Pilger



No entanto, a principal razão para a invasão americana do continente africano não é diferente daquela que levou à guerra do Vietnã. É a China.

Num mundo de paranóia servil e institucionalizada, que justifica aquilo que o general Petraeus, o antigo comandante norte-americano e hoje diretor da CIA, chama um estado de guerra perpétua, a China substituindo a Al-Qaeda como a “ameaça” oficial americana. Quando entrevistei Bryan Whitman, secretário de estado adjunto da Defesa, no Pentágono, no ano passado, pedi-lhe para descrever os perigos atuais para os EUA no mundo. Debatendo-se visivelmente repetia: “Ameaças assimétricas… ameaças assimétricas”. Estas “ameaças assimétricas” justificam o patrocínio estatal à lavagem de dinheiro por parte da indústria militar, bem como o maior orçamento militar e de guerra da História. Com Osama Bin Laden fora de jogo, é a vez da China.

A África faz parte da história do êxito chinês.



Onde os americanos levam drones e desestabilização, os chineses levam ruas, pontes e barragens. O principal interesse são os recursos naturais, sobretudo os fósseis.

A Líbia, a maior reserva africana de petróleo, representava durante o governo Kadafi uma das mais importantes fontes petrolíferas da China. Quando a guerra civil começou e a OTAN apoiou os “rebeldes” fabricando uma história sobre supostos planos da Kadafi para um “genocídio” em Bengazi, a China evacuou 30 mil trabalhadores da Líbia.

A resolução do Conselho de Segurança da ONU que permitiu a “intervenção humanitária” por parte dos países ocidentais, foi sucintamente explicada numa proposta dos “rebeldes” do Conselho Nacional de Transição ao governo francês, divulgada no mês passado pelo jornal Libération, na qual 35% da produção de petróleo Líbia eram oferecidos ao estado francês “em troca” (termo utilizado no texto em questão) do seu apoio “total e permanente” ao CNT. O embaixador americano na Tripoli “libertada” Gene Cretz, confessou: “Sabemos bem que o petróleo é a jóia da coroa dos recursos naturais líbios”.

A conquista de facto da Líbia por parte dos Estados Unidos e dos seus aliados imperiais é o símbolo da versão moderna da “corrida à África” do século XIX.

Tal como na “vitória” no Iraque, os jornalistas desempenharam um papel fundamental na divisão dos líbios entre vítimas válidas e inválidas. Uma primeira página recente do Guardian mostrava um líbio “pró-Kadafi” aterrorizado e os seus captores de olhos brilhantes que, como intitulado, “festejavam”. De acordo com o general Petraeus, existe hoje uma guerra da “percepção... conduzida continuamente pelos meios de informação”.

Durante mais uma década, os Estados Unidos procuraram estabelecer um comando militar no continente africano, o AFRICOM, mas este foi rejeitado pelos governos da região, receosos das tensões que daí poderiam advir.

A Líbia, e agora o Uganda, o Sudão do Sul e o Congo, representam a oportunidade dos Estados Unidos. Como revelou a Wikileaks e o departamento americano de estratégia contraterrorista (National Strategy for Counterterrorism – White House), os planos americanos para o continente africano são parte de um projeto global, no quadro do qual 60 mil elementos das forças especiais, incluindo esquadrões da morte, operam já em mais de 75 países, número que aumentará em breve para 120. Como já dizia Dick Cheney no seu plano de “estratégia de defesa”:

Os Estados Unidos desejam simplesmente dominar o mundo.

Que esta seja a dádiva de Barack Obama, o “filho de África”, ao seu continente é incrivelmente irônico. Não é?

Como explicava Frantz Fanon no seu livro “Pele negra, máscaras brancas”, o que importa não é a cor da tua pele, mas os interesses que serves e os milhões de pessoas que acabas por trair.
20/Outubro/2011

O artigo original, em inglês, encontra-se em: “The Son of África claims a continent’s crown jewels”.




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